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'Você só aprende a viver quando sabe o que é morrer': as histórias de quem vive com HIV desde os anos 80

Uma sentença de morte.

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Divulgação / Leiry Maria Rodrigues descobriu que convivia com HIV aos 25 anos, em 1989 (Foto: Emanoele Daiane)

Uma sentença de morte. Desta forma, a servidora pública Leiry Maria Rodrigues, de 54 anos, classifica o resultado do exame que revelou que ela convivia com o vírus HIV em 11 de agosto de 1989, aos 25 anos.

Na época, não havia muitos esclarecimentos sobre o assunto e tampouco tratamento eficaz. Então, a expectativa de vida para aqueles que possuíam o vírus não passava de um ano.

"O médico me disse que não havia nada a ser feito. Eu questionei: 'então vou esperar morrer?'. Ele disse que era 'mais ou menos isso'. Eu completei: 'a única prevenção que posso fazer é comprar um caixão e colocar atrás da porta?'. Novamente, ele me disse que era 'mais ou menos isso'", relata Rodrigues, que convive com o vírus há quase 30 anos.

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Ela foi infectada por um namorado com quem ficou por dois anos. "Ele morreu, em decorrência da Aids, e o médico pediu que eu fizesse o exame. Sempre me cuidei, mas como era um relacionamento sério, deixamos de usar preservativo", revela.

Desde a descoberta do vírus, ela nunca deixou de trabalhar, teve uma filha - que nasceu sem o vírus - e começou a cursar psicologia, curso no qual se formará neste ano.

"Levo uma vida normal, apesar de tomar medicamentos e ter algumas poucas complicações em razão do HIV. Nunca pensei que fosse viver tanto tempo. Costumo dizer que sou uma sobrevivente."

Entre 1980 e 1990, conforme o Ministério da Saúde, foram notificados 25.513 casos de Aids no Brasil, 80% deles em homens.

As pessoas que sobreviveram ao vírus nos anos 80 viram amigos e parentes morrerem em decorrência de Aids - doença desenvolvida quando o sistema imunológico é afetado pelo vírus HIV. Elas carregavam consigo a certeza de que teriam o mesmo destino em poucos meses. Hoje, 30 anos depois, se consideram vitoriosos por estarem vivos.

O infectologista Alexandre Naime Barbosa, membro do Comitê de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de Infectologia, explica que muitos sobreviveram ao HIV em razão do modo como seus organismos reagiram ao vírus. "Todos nós somos programados, ao nascer, para termos respostas distintas, mais forte ou mais fracas, a diferentes doenças. Há pessoas que se infectam pelo vírus, mas o próprio sistema imune consegue controlá-lo e por isso têm a quantidade de vírus muito baixa. Elas podem passar a vida toda sem descobrir que são portadoras do HIV. Isso explica porque muita gente se infectou na década de 80 e está bem até hoje."

"Porém, 90% das pessoas infectadas ficam doentes em um período de seis a oito anos, caso não se tratem. Há também aquelas que em menos de dois anos após adquirir o vírus já sofrem complicações", diz.

Apesar de terem sobrevivido e levarem uma vida normal, aqueles que convivem com o HIV há quase três décadas carregam consigo mazelas em decorrência do vírus e das décadas de tratamento. Muitos se assustam com a aparente tranquilidade com a qual gerações mais novas têm lidado com o tema.

"Certa vez, estava em um congresso e um médico falou que o HIV era igual à gripe. Mas não é verdade. A gripe é um probleminha, enquanto o HIV é um problemão, para a vida toda", relata o escritor Beto Volpe, que contraiu o vírus em 1989, aos 28 anos.

Os anos 80

O HIV foi descoberto em 1981, ano em que foram descritos os primeiros casos em humanos. Até o início dos anos 90, em razão das poucas opções de tratamento, as pessoas que eram infectadas pelo vírus costumavam ficar doentes com frequência. Com a fragilidade na saúde, as doenças oportunistas eram responsáveis por grande parte das mortes.

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